segunda-feira, 18 de março de 2013

Um novo Papa e as velhas ideias sobre o mundo




Por Eduardo Soares de Lara

Recentemente o brasileiro foi tomando pelo desejo de conversar sobre três assuntos: política (falecimento do presidente Hugo Chávez), religião (o novo Papa e Marcos Feliciano presidente da CDH) e futebol (o título de vice do Vasco da Gama). O que na sabedoria popular, significa grandes chances de perder bons amigos.

Deixo de lado o futebol e também não pretendo trazer nenhuma nova consideração sobre a Venezuela e seu líder.  Proponho-me a fazer algumas considerações sobre a dimensão da religião em nosso país, quando se ventilou a chegada de um brasileiro ao posto de Papa ao mesmo tempo em que a câmara de deputados elegeu um fervoroso religioso ao posto de presidente da Comissão de Direitos Humanos. Sendo assim, a intenção desse despretensioso artigo de opinião é trazer a tona elementos que evidenciam essa tensão crescente, entre o papel da religião no debate público. Existirá uma forma de convivência entre a opinião laica e religiosa na arena do Estado? Como o brasileiro vai se comportar diante desse fenômeno de polarização?

A visão religiosa e o pensamento racionalista moderno vivem em estado de tensão. Tal perspectiva traz à memória o professor (teólogo e político) norueguês Berge Furre, que deixou de estudar o MST (considerado um movimento de proporções espetaculares) quando percebeu o fenômeno religioso das ondas carismáticas no Brasil - em especial a Igreja Universal do Reino de Deus. Sua preocupação, como estudioso, era entender como seria possível acomodar tantas religiões no país. Religiões que ultrapassam as esferas da fé e da moral, atuando no terreno da disputa política.

Sabemos, por meio dos vestígios arqueológicos, que a religião, em suas inúmeras expressões, está presente em todas as sociedades de que se têm notícias. Tendo exercido forte autoridade sobre a vida, influenciando nossa forma de perceber o mundo. Diante dessa conhecida diversidade e historicidade das concepções e da crescente secularização das visões de mundo (processo por meio do qual a religião perde sua influência sobre as diversas esferas da vida social), surpreende o fato de que as religiões conseguem, ainda, manter-se convictas da validade de suas crenças, doutrinas e rituais.

O entendimento de Feuerbach, em seu, The Essence of Christianity (1957), é de que a religião consiste em ideias e valores produzidos por seres humanos no decorrer de seu desenvolvimento cultural, equivocadamente projetado nas forças divinas ou nos deuses. Não tendo uma compreensão plena de sua própria história, os indivíduos continuam atribuindo valores e normas, gerados socialmente, às atividades dos deuses. Como lembra Giddens (2010), o filósofo alemão Feuerbach, conhecido por sua teologia humanista, sustenta que diante dessa cegueira, estaremos condenados a sermos prisioneiros das forças da história que não conseguimos controlar. Assim, ideias e valores humanamente criados, acabam sendo vistos como produto de seres alienados ou independentes.

Karl Marx, apoiado na discussão anterior, entendia a religião como o “coração de um mundo sem coração”, um refúgio da dureza da realidade cotidiana (MARX, 2005). A religião muitas vezes desvia a atenção das desigualdades e das injustiças encontradas nesse mundo, em razão da promessa do que virá no próximo. Por possuir um forte elemento ideológico, as crenças e seus valores muitas vezes serviram, e servem, para justificar desigualdades em termos de riqueza e poder.

Um dos maiores estudiosos sobre religião, Max Weber, contrastando com Marx em certo sentido, argumentava que a religião não é necessariamente uma força conservadora. Ao contrário, movimentos inspirados na religião muitas vezes geram transformações sociais impressionantes. Weber, por meio da sociologia, propôs-se a estudar exclusivamente o comportamento religioso. Sua sociologia da religião não trata de especular sobre o valor respectivo dos dogmas, das teologias concorrentes ou das filosofias religiosas, nem tampouco sobre a legitimidade da crença numa outra vida, mas, sim, estudar o comportamento religioso como uma atividade humana. Weber, tampouco pretendia adotar uma posição positivista, que teria por base a negação e o desprezo da religião, mas de compreender qual a influência do comportamento religioso sobre atividades como ética, econômica, política ou artística (FREUD, 2010).

Não é de hoje que percebemos claramente os conflitos nascidos da heterogeneidade dos valores que cada religião pretende servir. Sendo assim, é preciso recordar que o debate entre Estado Laico e religião é bastante antigo e necessitaria ser historicamente localizado.

Nesse sentido, chamo atenção de um texto de autoria do filósofo alemão Jürgen Habermas (Fundamentos prepolíticos del estado democrático de derecho?), que dialoga diretamente com o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, do Vaticano, Joseph Ratzinger, e cuja leitura tornou-se oportuna, e discute justamente como deveriam ser as relações entre cidadãos religiosos e seculares.

Cada religião é em sua origem uma “imagem do mundo”, também no sentido de que reclama ser a autoridade. Com a ideia de um mundo moderno secularizado, é preciso entender que a consciência religiosa tem passado por um processo de adaptação. Isso fica evidente quando a Igreja Católica é questionada e tende a revisar alguns de seus posicionamentos. Todas as religiões devem renunciar a pretensão de deter o monopólio interpretativo da vida, na medida em que a secularização do conhecimento avança.

Se como Habermas acredita, a sociedade pós-secular que se avizinha não será apenas aquela que aceita a presença das religiões e reconhecem suas funções sociais positivas, mas é aquela que capaz de superar a teologia moderna e seu evolucionismo simplista. Diante de um novo papa, ou da presença de religiosos participando da vida democrática do país, precede a necessidade destes superarem as velhas ideias sobre o mundo.

Eduardo Soares de Lara é graduando em Ciências Sociais pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.

Referência Bibliográfica

FEUERBACH, Ludwig. A Essência do cristianismo (1957).

FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber; tradução de Luís Claudio de Castro e Costa – 5. ed. – Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2010. 

GIDDENS, Anthony. Sociologia; tradução Sandra Regina Netz – 4. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2005.

HABERMAS, Jürgen e RATZINGER, Joseph in Dialética da secularização: sobre razão e religião.

MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Boitempo editorial (2005).

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