quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A história de uma vaca...

Decidi publicar um pequeno trecho do livro A VIAGEM DO ELEFANTE, de autoria do saudoso José Saramago, com o intuito de lembrar o seu 89º aniversário
.
Aos desacostumados em ler os escritos de Saramago, fica o aviso de que pode ser uma estranha leitura, por dois motivos. Primeiro decorre de o texto manter a ortografia vigente em Portugal, e em segundo lugar por ser estruturado em uma narrativa que relembra um bom e velho contador de histórias.

A história a seguir, foi o mais próximo que consegui na tentativa de registrar a passagem dos meus 25 anos de idade. Espero que ao final da mesma, possa olhar o passado e com todo vigor, ainda experimentar os sentimentos descritos a seguir.
  
“A história de uma vaca, As vacas têm história, Tornou o comandante a perguntar sorrindo, Esta, sim, foram doze dias e doze noites nuns montes da galiza, com frio, e chuva, e gelo, e lama, e pedras como navalhas, e mato como unhas, e breves intervalos de descanso, e mais combates e investidas, e uivos, e mugidos, a história de uma vaca que se perdeu nos campos com a sua cria de leite, e se viu rodeada de lobos durante doze dias e doze noites, e foi obrigada a defender-se e a defender o filho, uma longuíssima batalha, a agonia de viver no liminar da morte, um círculo de dentes, de goelas abertas, as arremetidas bruscas, as cornadas que não podiam falhar, de ter de lutar por si mesma e por um animalzinho que ainda não se podia valer, e também aqueles momentos em que o vitelo procurava as tetas da mãe, e sugava lentamente, enquanto os lobos se aproximavam, de espinhaço raso e orelhas aguçadas. Subhro respirou fundo e prosseguiu, Ao fim dos doze dias a vaca foi encontrada e salva, mais o vitelo, e foram levados em triunfo para a aldeia, porém o conto não vai acabar aqui, continuou por mais dois dias, ao fim dos quais, porque se tinha tornado brava, porque aprendera a defender-se, porque ninguém podia já dominá-la ou sequer aproximar-se dela, a vaca foi morta, mataram-na, não os lobos que em doze dias vencera, mas os mesmos homens que a haviam salvo, talvez o próprio dono, incapaz de compreender que, tendo aprendido a lutar, aquele antes conformado e pacífico animal não poderia parar nunca mais”.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O que acontece na Universidade de São Paulo?

Por Eduardo Soares de Lara*
“Eu sou a favor de todas as reivindicações deles para coibir a ação truculenta da polícia. Meu filho não fuma maconha, não bebe, o único vício dele é tentar mudar o mundo!” (Mãe de um estudante da USP)

A todo instante, por meio da televisão e dos grandes jornais, chega uma nova informação sobre a efervescência dos estudantes na USP. Informações cuja fonte é a tradicional imprensa brasileira constituída por seus monopólios de comunicação. O conteúdo divulgado é pobre de detalhes e análises coerentes acerca do que ocorre nas dependências da importante Universidade brasileira. Parece-me, em comparação com os manifestantes, que a imprensa encontra-se igualmente perdida.

Humildemente, gostaria de expor algumas reflexões, que dialogam com o atual processo de globalização do capitalismo.  Acredito que o sociólogo Octavio Ianni, de alguma forma sintetiza a idéia central da minha reflexão ao afirmar que: “Desse novo ciclo, tem emergido uma série de controvérsias que abalam profundamente os quadros sociais e mentais de referência de indivíduos e coletividades, em todo o mundo. Está em curso uma ruptura histórica, com sérias implicações teóricas e práticas. Refletir sobre essa ruptura é constatar dilemas e descobrir horizontes que se colocam para indivíduos e coletividades, classes e grupos sociais, nações e nacionalidades, formas de vida e trabalho, realizações e ilusões, em todo mundo.” (1)

Sobre o direito de manifestação

Compreendemos prontamente que o direito de manifestar-se é uma garantia constitucional em nosso país, tanto no sentido individual como coletivamente. Essa noção, que invoca as liberdades dos indivíduos, é conteúdo de inúmeros tratados filosóficos e políticos. Referenciais na maioria das vezes “incontestáveis” da democracia moderna. Não importa qual o conteúdo a ser publicizado, o mesmo sempre encontra respaldo na suposta liberdade de expressão. Porém é obvio que qualquer manifestação pública fica sujeito de reações oriundas do julgamento público.

O Mundo de hoje encontra-se borbulhando de anseios. Vide o que acompanhamos recentemente no Chile, onde os estudantes reivindicam ensino superior público; no Oriente Médio com a “Primavera Árabe”; nos países da Europa, emblematicamente recordo as manifestações na Espanha por democracia real, que agrupou um acampamento entorno da “Praça do Sol”; e nos Estados Unidos com o movimento “Occupy Wal Street”. Esses são exemplos de contestações legítimas de um mundo preocupado com seu futuro coletivo.

As contestações, cujos propósitos visam à emancipação dos indivíduos, é o que efetivamente permite à conquista da liberdade, das transformações sociais e políticas progressistas desejada pela sociedade. São características de um luta que se encontra atualíssima e a mesma esta na ordem do dia, porque corresponde a uma necessidade objetiva da evolução da sociedade.

Nesse contexto, é válido o entendimento de que o tão sonhado “... processo revolucionário não será construído abruptamente. É preciso um atento exame da história e da realidade contemporânea, que mostra que o caminho revolucionário comporta muitas etapas e a construção da nova sociedade será obra ainda de muitas gerações”. (2)

Em especial no movimento estudantil, do qual tive a oportunidade de atuar durante um bom tempo da minha vida, sempre convivi com os radicalismos, em sua maioria, movidos pela cíclica inquietação juvenil. É difícil seu entendimento estando de fora, porém uma coisa é certa, são angustias reprimidas que clamam por sua liberação, e manifestam-se a todo instante artisticamente e politicamente.

Polícia X Universidade

A presença de forças coercitivas no ambiente universitário a todo instante gera atritos e indisposições.

Por dois motivos. O primeiro porque essas forças, no caso da USP a Polícia Militar, são formadas ideologicamente por meio de doutrinas, que condicionam um entendimento de que toda e qualquer contestação fere a estabilidade do Estado, e as mesmas passam a justificar uma necessidade de agir e resguardar a legalidade, combatendo os agitadores políticos. A segunda característica diz respeito à relação conflituosa, cultivada entre estudantes e militares. Basta relembrar do recente período de ditadura militar e os sistemáticos ataques a democracia e as liberdades. Uma história que derramou o sangue de inúmeros estudantes. É preciso a todo instante evidenciar o quanto continua sendo árduo o processo de redemocratização, num país cujas feridas encontra-se ainda abertas e mal resolvidas.

Em síntese, quero dizer que o espaço universitário é composto por seus ritos, símbolos, tradições, e história, que de alguma forma fogem da engessada legalidade, da moral hipócrita e da compreensão das forças de segurança formadas e modernizadas para reprimir. 

A USP X Autonomia

É bem conhecida a história da Universidade de São Paulo. Conceituada internacionalmente, a mesma deve suas origens a um estreito vínculo com a elite paulista.

Verdade que se tornou berço de eminentes homens públicos e intelectuais, porém sempre esteve a favor de um projeto político.

Ainda hoje ela é uma universidade ligada ao governo de São Paulo, financeiramente, administrativamente e politicamente.

“Ainda durante a gestão de José Serra, Grandino Rodas foi escolhido reitor da USP através de um decreto publicado no dia 13 de novembro de 2009. Seu nome era o segundo colocado numa lista de três indicações. Ou seja, Roda não foi eleito pela comunidade acadêmica. A última vez que o governador do Estado impôs um reitor à Universidade – utilizando-se de um dispositivo legal criado no período militar e que está presente na legislação do Estado de São Paulo até hoje – foi durante a gestão do governador biônico Paulo Maluf, que indicou Miguel Reale para assumir a reitoria da USP ente 1969 e 1973”. (3)

Seria de estranhar, se a Universidade de São Paulo não refletisse a opinião, o entendimento e a prática do governo paulista de Geraldo Alckmin frente aos movimentos sociais. Foi assim com na greve dos próprios policiais, dos professores, entre outras. É um governo que não viabiliza o diálogo com os movimentos sociais tradicionais, que nunca suportou qualquer sinal de organização política – seja estudantil, sindical ou partidária – muito menos teria uma atitude diferente com movimentos emergentes, portadores de dinâmicas ainda pouco compreensivas até o presente momento.

O resultado?

Sinto, particularmente, um triste pesar com tudo que o ocorreu e a forma que o tema vem sendo tratado pelo senso comum e a imprensa nacional.

Permaneço veemente contrário a legalização da maconha e qualquer outro ilícito. Porém compartilho do entendimento crítico que a descriminalização do usuário, traria implicações importantes no âmbito da segurança pública, da saúde e justiça.

A todo instante quis refletir acerca de um fato concreto. O fato de que 3 mil estudantes da USP, mobilizados em assembléia, deflagraram uma greve que expressa o sentimento dos estudantes depois da entrada da Tropa de Choque. 3 mil estudantes, que a todo instante recebe o apoio de trabalhadores, intelectuais, outras universidades e setores da sociedade.

Não sei se por conta da minha história no movimento estudantil, mesmo apontando críticas e divergências que sempre tive com determinados setores que compõe o mesmo, mantenho aqui meu incondicional apoio ao movimento rebelde na USP.

Involuntariamente, momentos como esses, servem para trazer a tona uma série de anseios da juventude brasileira.

Ou juntos mudamos o mundo, ou a juventude vai mudar ele sozinho!

*Eduardo Soares de Lara é graduando em ciências sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC


Observação:

A histórica assembléia deliberou os seguintes encaminhamentos:
- Greve imediata
-Eixos;
1 – Retirada de todos os processos movidos contra estudantes por motivos políticos!
2 – Fora PM! Pelo fim do convênio da USP com a Secretaria de Segurança Pública.
3 – Liberdade aos presos e nenhuma punição administrativa ou criminal!
4 – Foras Rodas!
5 – Outro projeto de segurança na USP! Que a reitoria se responsabilize por:
a)      Plano de iluminação no campus.
b)      Política preventiva de segurança.
c)       Abertura do campus à população para que tenhamos maior circulação de pessoas;
d)      Abertura de concurso público para outra guarda universitária, que tenha treinamento para prevenção dos problemas de segurança e com efetivo feminino para a segurança da mulher;
e)      Mais circulares;
f)       Circular até o Metrô Butantã;


Referências:
1 – Octavio Ianni. Capitalismo, Violência e Terrorismo. Editora Civilização Brasileira, 2004.
2 – José Reinaldo Carvalho. 7 de novembro, aniversário da Revolução Socialista. <http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=168065&id_secao=9>
3 – Ana Paula Salviatti. A face autoritária do reitor da USP <http://rede.outraspalavras.net/pontodecultura/2011/11/07/a-face-autoritaria-do-reitor-da-usp/>