Por Eduardo Soares de
Lara
Recentemente o brasileiro foi tomando pelo desejo de
conversar sobre três assuntos: política (falecimento do presidente Hugo
Chávez), religião (o novo Papa e Marcos Feliciano presidente da CDH) e futebol
(o título de vice do Vasco da Gama). O que na sabedoria popular, significa
grandes chances de perder bons amigos.
Deixo de lado o futebol e também não pretendo trazer nenhuma
nova consideração sobre a Venezuela e seu líder. Proponho-me a fazer algumas considerações
sobre a dimensão da religião em nosso país, quando se ventilou a chegada de um
brasileiro ao posto de Papa ao mesmo tempo em que a câmara de deputados elegeu
um fervoroso religioso ao posto de presidente da Comissão de Direitos Humanos. Sendo
assim, a intenção desse despretensioso artigo de opinião é trazer a tona
elementos que evidenciam essa tensão crescente, entre o papel da religião no
debate público. Existirá uma forma de convivência entre a opinião laica e
religiosa na arena do Estado? Como o brasileiro vai se comportar diante desse
fenômeno de polarização?
A visão religiosa e o pensamento racionalista moderno vivem em
estado de tensão. Tal perspectiva traz à memória o professor (teólogo e
político) norueguês Berge Furre, que deixou de estudar o MST (considerado um
movimento de proporções espetaculares) quando percebeu o fenômeno religioso das
ondas carismáticas no Brasil - em especial a Igreja Universal do Reino de Deus.
Sua preocupação, como estudioso, era entender como seria possível acomodar
tantas religiões no país. Religiões que ultrapassam as esferas da fé e da moral,
atuando no terreno da disputa política.
Sabemos, por meio dos vestígios arqueológicos, que a
religião, em suas inúmeras expressões, está presente em todas as sociedades de
que se têm notícias. Tendo exercido forte autoridade sobre a vida,
influenciando nossa forma de perceber o mundo. Diante dessa conhecida
diversidade e historicidade das concepções e da crescente secularização das
visões de mundo (processo por meio do qual a religião perde sua influência
sobre as diversas esferas da vida social), surpreende o fato de que as religiões
conseguem, ainda, manter-se convictas da validade de suas crenças, doutrinas e
rituais.
O entendimento de Feuerbach, em seu, The Essence of Christianity (1957), é de que a religião consiste em
ideias e valores produzidos por seres humanos no decorrer de seu
desenvolvimento cultural, equivocadamente projetado nas forças divinas ou nos
deuses. Não tendo uma compreensão plena de sua própria história, os indivíduos
continuam atribuindo valores e normas, gerados socialmente, às atividades dos
deuses. Como lembra Giddens (2010), o filósofo alemão Feuerbach, conhecido por
sua teologia humanista, sustenta que diante dessa cegueira, estaremos
condenados a sermos prisioneiros das forças da história que não conseguimos
controlar. Assim, ideias e valores humanamente criados, acabam sendo vistos
como produto de seres alienados ou independentes.
Karl Marx, apoiado na discussão anterior, entendia a
religião como o “coração de um mundo sem coração”, um refúgio da dureza da
realidade cotidiana (MARX, 2005). A religião muitas vezes desvia a atenção das
desigualdades e das injustiças encontradas nesse mundo, em razão da promessa do
que virá no próximo. Por possuir um forte elemento ideológico, as crenças e
seus valores muitas vezes serviram, e servem, para justificar desigualdades em
termos de riqueza e poder.
Um dos maiores estudiosos sobre religião, Max Weber,
contrastando com Marx em certo sentido, argumentava que a religião não é
necessariamente uma força conservadora. Ao contrário, movimentos inspirados na
religião muitas vezes geram transformações sociais impressionantes. Weber, por
meio da sociologia, propôs-se a estudar exclusivamente o comportamento
religioso. Sua sociologia da religião não trata de especular sobre o valor
respectivo dos dogmas, das teologias concorrentes ou das filosofias religiosas,
nem tampouco sobre a legitimidade da crença numa outra vida, mas, sim, estudar
o comportamento religioso como uma atividade humana. Weber, tampouco pretendia adotar
uma posição positivista, que teria por base a negação e o desprezo da religião,
mas de compreender qual a influência do comportamento religioso sobre
atividades como ética, econômica, política ou artística (FREUD, 2010).
Não é de hoje que percebemos claramente os conflitos nascidos
da heterogeneidade dos valores que cada religião pretende servir. Sendo assim,
é preciso recordar que o debate entre Estado Laico e religião é bastante antigo
e necessitaria ser historicamente localizado.
Nesse sentido, chamo atenção de um texto de autoria do filósofo
alemão Jürgen Habermas (Fundamentos
prepolíticos del estado democrático de derecho?), que dialoga diretamente
com o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, do Vaticano, Joseph
Ratzinger, e cuja leitura tornou-se oportuna, e discute
justamente como deveriam ser as relações entre cidadãos religiosos e seculares.
Cada religião é em sua origem uma “imagem do mundo”, também
no sentido de que reclama ser a autoridade. Com a ideia de um mundo moderno
secularizado, é preciso entender que a consciência religiosa tem passado por um
processo de adaptação. Isso fica evidente quando a Igreja Católica é
questionada e tende a revisar alguns de seus posicionamentos. Todas as
religiões devem renunciar a pretensão de deter o monopólio interpretativo da
vida, na medida em que a secularização do conhecimento avança.
Se como Habermas acredita, a sociedade pós-secular que se
avizinha não será apenas aquela que aceita a presença das religiões e
reconhecem suas funções sociais positivas, mas é aquela que capaz de superar a
teologia moderna e seu evolucionismo simplista. Diante de um novo papa, ou da presença
de religiosos participando da vida democrática do país, precede a necessidade
destes superarem as velhas ideias sobre o mundo.
Eduardo Soares de Lara é graduando em Ciências Sociais pela
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.
Referência
Bibliográfica
FEUERBACH, Ludwig. A Essência do cristianismo (1957).
FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber; tradução de Luís
Claudio de Castro e Costa – 5. ed. – Rio de Janeiro : Forense Universitária,
2010.
GIDDENS, Anthony. Sociologia; tradução Sandra Regina Netz –
4. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2005.
HABERMAS, Jürgen e RATZINGER, Joseph in Dialética da secularização:
sobre razão e religião.
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Boitempo
editorial (2005).